“Pai, amanhã
eu volto.
O médico disse que não podemos ficar aqui. Faça o que eles mandarem,
sim, Papi?!
Amanhã eu
volto, ok Papi?”
“Faz como
quiseres filha!”
“Ok Papi,
até amanhã Papi…”
Ai se eu soubesse
Papi que era a última vez que o iria ver
O último
beijo
A última vez
que tocaria a sua mão
A última vez
que iria ouvir a sua bela voz profunda e nítida
A última vez
…
Eu não teria
ido embora
Eu teria
ficado
Lá fora, ou
na sala de espera, em pé, sentada, nem que ficasse apenas ali presente, para
que não estivesse sozinho
Sozinho
Sozinho
Sozinho
Oh Pai
Que teria
dito?
Que teria
pensado?
Será que
sofreu ainda?
Será que se
sentiu só nesse momento?
Será que se
sentiu abandonado por mim, por nos?
Oh Pai,
Lembro-me de
tudo
Lembro-me
das palavras, dos olhares, de quando me tocou a mão, do nosso último lanche á
mesa da cozinha
Lembro-me…
Oh Pai,
Pai!!!
“O Pai dizia:
Ai filha, estou tão mal!”
Oh Pai,
Será que
sabia que ia viajar nessa noite?
“O Pai
dizia: Nunca pensava der ser assim”
Será que pressentia
o que somente os que estão nessas situações pressentem?
Oh Pai!
Lembro-me de
o ver na posição de lado, olhos fechados e apenas um lençol branco por cima a
sofrer com dores insuportáveis que só o Pai sentia
Oh Pai!
Será que
tinha frio?
Não me
lembrei de lhe perguntar Pai!! Não me lembrei!
Quando
voltamos da Radiografia, O Auxiliar puxava a maca e eu acompanhava-o á cabeça
da cama, e de repente reparo
que o Pai
estava a olhar para cima em direcção esquerda… para bem longe Pai…
Oh Pai,
O que é Pai?
O que era Papi?
O que viu
Pai?
Depois
voltou a fechar os olhos e continuamos até á sala aberta nas Urgências, onde
estávamos primeiro
Oh Pai!
Eu não sabia…
Eu tive
esperança
Tive a
esperança com as palavras do Sr. Doutor, Pai!
Ele disse
que se “amanhã” tivesse vaga num quarto da Oncologia no Departamento Fase
Terminal, iriam mudá-lo para lá e assim estaria mais confortável
Sim, ganhei
esperança…
Nunca pensei
Pai!
Eu queria
tanto segurar-lhe a mão Pai!
Ficar ao seu
lado…
Para o que desse
e viesse…
Nunca
deixá-lo sozinho
E nunca nessa
altura
Nunca
Oh Pai, se
eu soubesse!
Mas eu tive
esperança Pai.
Pai!
Fui-me
embora Pai!
Fui-me
embora!
Mais ou
menos meia-noite
Cheguei a
casa e lembrei-me de que me tinha esquecido de comunicar á Recepção o nosso número
de telefone em caso de emergência.
Liguei para
informar,
mas,
ficaram de
me ligar de volta!
Estranho!
Será que…
Não, não
deve ser…
Estranho!
Será?
Não…
Ninguém
liga! Eu vou ligar de novo!
A pessoa da
Recepção passou a chamada para o médico responsável:
“A senhora
tem de ser forte e já tínhamos falado
De que
poderia acontecer – o Seu Pai acabou de falecer um pouco após se terem ido
embora”
…
…
…
Mas
…
Hummm
Mas
Não
Mas eu não
sabia
Mas eu não
queria deixá-lo sozinho
Mas ele
sofreu?
“Fique
descansada, que ele por fim já não sofreu”
De verdade?
…
Pensando
para mim:
Mas como
sabe?
Eles não
sabem?
Será que o
trataram mesmo bem até ao fim?
Será que
foram beber algum café nessa altura?
Será que
foram carinhosos com ele nesse momento?
Ou será que se
comportaram de “sangue frio” para também eles “humanos” suportarem estas alturas
que os rodeiam?
Mas não lhe deram
beijo nenhum á partida!
Nem na
testa,
Nem na mão,
Nem…
Ou será que
lhe deram a mão para ele se sentir acompanhado e acarinhado?
Oh Pai!
Será que o
viram morrer?
Quem sabe tinham
saído para ir ver outro doente e ele morreu sozinho?
Quem sabe
ainda gritou com dores?
Quem sabe
teve medo?
Quem sabe
chorou?
Disse alguma
coisa?
Será que
dormiu e pronto?
Será que
tinha frio?
Fome?
Sede?
Será que
pensou em mim?
Em nós?
Será que
chamou por mim?
Será que ainda nos queria ter dito ou pedido algo?
Sabia que ia
morrer?
Será que
sofreu?
Falou?
Estava
sozinho…
Abandonado?!
Oh Pai!
Ainda fui a
correr de carro á 01:30h da noite, queria vê-lo, tapá-lo, talvez tivesse frio,
Queria dar-lhe
um beijo
Acariciá-lo
Dizer-lhe
que o amava tanto
Queria vê-lo
Vê-lo
Somente vê-lo
Não me
deixaram vê-lo
Falaram
comigo e foram muito compreensíveis com a minha dor
Mas não me o
deixaram ver
Como estaria
agora?
Será que o
trataram com respeito depois de ter morrido?
Será que se
riram dele?
Será que
fizeram algum comentário inapropriado na presença dele apesar de já morto?
Será que…
Será que…
Será que…
Oh Pai!
Quando o
Carro Funerário saiu da morgue
e vi o
caixão lá dentro…
O Caixão que
eu mesma, minha mãe e meu irmão tínhamos escolhido para ele,
O caixão, o
tal, que a senhora da agência funerária delicadamente nos perguntou de qual gostávamos,
e eu fria,
triste a sofrer e completamente incomodada com a pergunta lhe respondi:
“Gosto? Não gosto
de nenhum!!!”
Claro!
Eu não
queria o meu Pai em nenhum caixão!
Vi o carro
sair com o caixão lá dentro… era o meu Pai que lá estava dentro…
Oh Pai!!
Pai!
Estou aqui
Pai!
Não está sozinho, estou aqui Pai!
Foi a dor que
toda a minha vida “pensava” e emaginava estar preparada para a suportar…
Mas
Fui surpreendida
por uma dor que parecia
Paralisar minha
respiração
Uma dor que
parecia dar conta de mim
Uma dor que
fez eu viver emoções tão fortes de perda que já mais poderia imaginar
Uma dor que parecia
rasgar meu peito
Uma dor que
me apetecia gritar
Gritar
Gritar
Sim, tive de
me controlar muito para não gritar mesmo
Só queria
estar sozinha
Não
suportava que ninguém me tocasse e ainda menos para tentarem aliviar minha dor
Não queria
Não
suportava quando me tentavam abraçar para não sofrer
Não
suportava certa gente de quem sempre tanto gostei
Não
suportava
Não
suportava
Não
suportava
Eu gritava
em mim
Mas ninguém ouvia
meus gritos silenciosos
Sim lágrimas
eram as almas que me compreendiam
As únicas que
me percebiam
As únicas
que sentiam comigo a minha dor
Oh Pai…
Pai…
Estou aqui
Pai…
Oh Pai…
Eu não sabia
como iria suportar ao abrirem o caixão e velo Oh Pai
Mas
Foi um
alivio
Um alivio
sim!
Senti Paz
por poder estar ao pé de si Pai
Por poder
tocá-lo
Por poder
dar-lhe beijos na sua testa tão fria Pai
Oh Pai!
Estou aqui
Pai!
As suas mãos
tão frias Pai!
Mas eu
conhecia o toque da sua pele!
Oh Pai
O seu
cabelinho tão fininho e cinzento Pai!
Oh Pai!
Acariciei-o
tanto Pai!
Mas porquê
agora?
Que pessoa e
filha horrível que fui!!!!!
Porquê
somente agora?
Agora que já
era tarde de mais!
Agora que o
Pai já nada sentia!
Oh Pai… as
olheiras transmitiam um cansaço da dor
mas ao mesmo
tempo o descanso do sofrimento
a certeza
depois da incerteza
Oh Pai!
Porquê não
fiz?
Porquê não
disse?
Porquê não o
abracei?
Porquê não
lhe disse que o amava e o admirava profundamente?
Porquê não
lhe dei a mão mais vezes?
Porquê…
Porquê…
Porquê…
Remorsos
eternos
Dor eterna
de que foi, nunca mais voltará mas sempre presente estará
Oh Pai!
Lembra-se da
vez em que me fui deitar ao seu lado…
Falei
consigo até o Pai se deixar de dormir
Oh Pai!
Que saudades
Pai!
Que remorsos
Pai!
Oh Pai!
Que dor
profunda Pai!
Pai!
Disse o
Padre na Capela, as únicas verdadeiras Palavras de consolo:
Uma Lágrima
pela sua Morte
Evapora-se,
uma flor sobre a sua campa murcha,
Mas uma
Oração pela sua Alma,
Sobe até
Deus.
Oh Pai!